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In.:Histórias Contadas no Alpendre, 2014.
Tinha um cantador de viola que era muito chamado pra fazer cantoria nas cidades vizinhas.
Um dia, seu compadre lhe contratou pruma cantoria na fazenda e foi logo lhe advertindo que ele teria que pegar o transporte cedo, pra poder chegar a tempo em Vila Verde e de lá tomar o pau-de-arara que passava bem em frente da Fazenda Santo Antônio.
De tanto o compadre lhe azucrinar com as recomendações, acabou se descuidando que, quando chegou em Vila Verde, o caminhão já tinha passado.
O cantador era tão verminoso por cantoria, que, ao invés de ficar a ver navios, resolveu seguir a pé, mesmo sabendo que ainda faltavam seis léguas pra chegar até a fazenda.
Botou a viola no saco, empendurou no ombro e arrochou o nó, cantarolando uns versos, enquanto caminhava.
Depois de muito caminhar, apareceram em sua frente quatro homens, carregando um defunto numa rede. Ainda que no escuro, dava pra perceber que caminhavam ligeiro, de cabeça baixa. O cantador ouvia nitidamente o roçar das calças dos homens caminhando.
Ele gostava de acompanhar enterro e sempre dizia:
— Se você ajudar a levar os outros pro enterro, não faltará quem lhe leve no dia que você partir pra cidade dos pés juntos.
Por isso, aumentou o passo, tentando alcançar o grupo. Quanto mais aumentava as passadas, mais longe ficava.
Ele se arrepiou dos pés à cabeça e, falando com seus botões, disse:
— Isso não tá parecendo coisa deste mundo!
Mal ele fechou a boca, o defunto se mexeu, se levantou da rede devagarzinho, pegou a rede, voou por cima da sua cabeça – fazendo da rede um tapete voador – e sumiu.
Suas pernas ficaram trêmulas, bambas.
Pensou:
— Se eu correr, vou morrer de cansaço, porque a fazenda ainda tá muito distante.
Parou, pegou o rapé, deu uma nargada, procurou se acalmar e continuou devagar, rezando, pra esquecer de todo o medo.
Depois da meia-noite, chegou na fazenda. Bateu na porta, o compadre acordou, abriu, mandou entrar e disse meio carrancudo:
— Como já é muito tarde, não vou mais fazer jantar pra você, mas em cima da mesa da cozinha tem pão dormido e café na garrafa.
E foi dormir de novo.
O cantador comeu. Tentou muito dormir, mas não conseguiu, rolando na rede de um lado pro outro, revivendo aquela imagem até o sol raiar.
De manhã cedo, a empregada veio lhe chamar, dizendo que o patrão tava chamando pro café.
Sentado, sentindo-se um arigó, perguntou ao Compadre:
— Naquela encruzilhada de Vila Verde, aparece alguma espécie de assombração?
O compadre, já de bom humor, deu uma estrondosa gargalhada…